Mesmo depois de dois anos da entrada em vigor do decreto que tenta organizar o comércio eletrônico no Brasil, muitas pessoas ainda têm dúvidas de como proceder e como organizar sua loja virtual de modo a se adequar à lei do e-commerce. Não sou jurista e portanto não sou a melhor pessoa para falar sobre isso, mas a escassez de artigos que falem sobre a lei do e-commerce de maneira organizada me fez finalmente escrever esse post.
Estou me baseando no texto do Decreto 7.962 e em um post da mesma época do Brasil na Web, que apresenta a lei passo-a-passo, mas como toda lei, ela pode ser interpretada de maneiras diferentes e portanto a minha opinião não deve ser a única a ser ouvida. Vamos passar pelos principais pontos e verificar quais são as consequências práticas disso para sua loja virtual.
Esse decreto na verdade é uma regulamentação, uma atualização, do Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078, de 1990, jogando um pouco de luz sobre essa nova forma de compra e definindo algumas regras em um tema que não existia na época. Assim, é fácil entender que as regras dispostas pelo CDC continuam valendo da mesma forma e só são aprimoradas para contemplar o formato de consumo encontrado em uma loja virtual. O decreto traz basicamente três pontos: informações ao consumidor, direito de arrependimento e atendimento facilitado ao consumidor.
Informações nas páginas da loja
No que diz respeito às informações ao consumidor, parece algo óbvio e que não precisaria sequer de uma lei, mas muitos lojistas ainda não têm consciência disso. O interessante é que esse ponto impacta diretamente no direito de arrependimento: lembre-se que o cliente não vê o produto fisicamente e tem dificuldades para entender o que está comprando, necessitando de uma “dose de informações” maior do que a ofertada nas lojas físicas. O decreto coloca expressamente os seguintes pontos:
Art. 2° Os sítios eletrônicos ou demais meios eletrônicos utilizados para oferta ou conclusão de contrato de consumo devem disponibilizar, em local de destaque e de fácil visualização, as seguintes informações:
I – nome empresarial e número de inscrição do fornecedor, quando houver, no Cadastro Nacional de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas do Ministério da Fazenda;
II – endereço físico e eletrônico, e demais informações necessárias para sua localização e contato;
III – características essenciais do produto ou do serviço, incluídos os riscos à saúde e à segurança dos consumidores;
IV – discriminação, no preço, de quaisquer despesas adicionais ou acessórias, tais como as de entrega ou seguros;
V – condições integrais da oferta, incluídas modalidades de pagamento, disponibilidade, forma e prazo da execução do serviço ou da entrega ou disponibilização do produto; e
VI – informações claras e ostensivas a respeito de quaisquer restrições à fruição da oferta.
De maneira resumida, sim, você precisa indicar seu CPF ou CNPJ, endereço e e-mail, de modo que você / sua empresa possa ser localizado. É interessante que não se indica um telefone mas uma forma de ser contatado; de qualquer modo, um telefone fixo sempre passará uma imagem melhor para os consumidores de sua loja virtual.
Nas páginas dos produtos, as informações precisam estar claras e completas, de modo que o consumidor entenda exatamente o que está comprando. Por isso, é importante que você trabalhe com informações objetivas, de forma clara e escrita em português (não em tecniquês). Informações subjetivas devem ser evitadas e se existirem, recomendo que estejam sempre acompanhadas da informação objetiva, já que é mais fácil lidar com “o melhor purificador de ar do Brasil segundo as pesquisas A e B e avaliação da revista C” do que uma simples afirmação que ele “purifica mais que os outros“.
Além disso, todas as despesas que o cliente terá devem estar visíveis, isto é, eu entendo que ele precisa saber na página do produto o quanto gastará de frete e qualquer outra despesa que se faça necessária para a aquisição. Caso haja alguma oferta, é preciso que seja informada claramente incluindo suas condições e restrições. Não há nenhuma indicação clara no texto, mas isso dito, o próprio fato de o consumidor ver uma promoção em uma página e não conseguir concluir o checkout já configuraria uma infração.
O processo de checkout
As políticas de vendas, privacidade e devolução passam a exercer papel ainda mais importante na relação com o cliente. Sua loja precisa ter as condições de venda colocadas de maneira clara para os clientes e mais do que isso, ele deveria “assinar” o contrato de venda antes de concluir o processo de checkout. O texto aqui diz que o contrato deve estar “disponível para o consumidor” nas páginas do site mas também pode ser entendido como o cliente não pode comprar se não ler e concordar com o contrato.
A maioria das lojas não solicita o clique na caixa de “Aceito os termos” e também não pede que o cliente confirme que o contrato foi lido e entendido. De qualquer forma, em caso de qualquer problema será esse o contrato a ser analisado e debatido para solução das divergências. Então, a confecção de boas políticas de prestação de serviços, de vendas, de privacidade, entrega e devolução é essencial para sua loja, de modo a sanar as dúvidas do consumidor e se precaver em eventuais disputas.
Outro detalhe: o consumidor deve poder manter o contrato independente de sua alteração posterior. Ou seja, não basta que ele esteja em uma página em seu site, ele deve poder imprimi-lo ou conservá-lo em seu computador. É possível enviar um link no próprio e-mail, mas como a maioria das pessoas não imprime um contrato ou copia e cola em um arquivo, o mais sábio aqui é enviar o contrato completo por e-mail, junto com a confirmação do pedido.
O direito de arrependimento
O direito de arrependimento não é exclusivo de lojas virtuais mas de qualquer método que venda produtos em que o cliente não tenha contato anteriormente ao recebimento do produto. É uma forma de garantir que o consumidor receba exatamente o que comprou – ou mais, o que acredita ter comprado. Por isso, novamente, é importantíssimo que sua loja virtual apresente informações claras e precisas, sem dados dúbios, que deixem dúvidas na cabeça dos clientes ou induza a acreditar que o produto é uma coisa e na verdade é outra.
Em até 7 dias do recebimento do produto, o consumidor tem o direito de desistir da compra sem quaisquer explicações. Você pode pedir que ele explique o motivo para fins de melhoria do atendimento mas não pode recusar a devolução do produto e o estorno do valor pago. Essa parte é a que mais dá problemas pois ainda há muita coisa subjetiva e mesmo pontos confusos no decreto.
Por exemplo, o decreto pede que a operadora do cartão de crédito seja comunicada imediatamente da solicitação do cliente, ficando subentendido que o dinheiro deve também ser devolvido imediatamenta. Porém, nenhum lojista em sã consciência pode devolver o dinheiro sem que o produto tenha sido devolvido e verificado.
Art. 5° O fornecedor deve informar, de forma clara e ostensiva, os meios adequados e eficazes para o exercício do direito de arrependimento pelo consumidor.
§ 1° O consumidor poderá exercer seu direito de arrependimento pela mesma ferramenta utilizada para a contratação, sem prejuízo de outros meios disponibilizados.
§ 2° O exercício do direito de arrependimento implica a rescisão dos contratos acessórios, sem qualquer ônus para o consumidor.
§ 3° O exercício do direito de arrependimento será comunicado imediatamente pelo fornecedor à instituição financeira ou à administradora do cartão de crédito ou similar, para que:
I – a transação não seja lançada na fatura do consumidor; ou
II – seja efetivado o estorno do valor, caso o lançamento na fatura já tenha sido realizado.
§ 4° O fornecedor deve enviar ao consumidor confirmação imediata do recebimento da manifestação de arrependimento.
O decreto também não coloca de maneira clara como fazer em casos de mau uso do produto, quando o cliente recebe e quebra o produto, sendo portanto o responsável pela devolução – e que portanto não se tratou de um arrependimento. Infelizmente, esses casos são comuns e o prejuízo acaba ficando com o lojista, para evitar maiores dores de cabeça. Um outro ponto aqui é bem polêmico: quem paga pelo envio do produto de volta à empresa? Na prática, o mercado segue uma regra de que a devolução do produto segue a cargo do cliente ma so decreto não menciona esse ponto.
Por fim, outro ponto interessante é que o atendimento e o arrependimento devem ser prestados / solicitados pelo mesmo canal de compra. Qualquer comunicação do consumidor para a loja deve ser feita pelo mesmo canal de compra e confirmado o recebimento imediatamente. Na prática, não há apenas um canal – o consumidor pode usar atendimento online, telefone, e-mail, visita ao ponto físico – mas é interessante que esses meios estejam interligados, para evitar confusões em seu atendimento.
Essa complementação do Código de Defesa do Consumidor é interessante e ajuda a melhorar as relações de consumo, mas ainda levará um tempo para que fique realmente enraizada na cultura de nossas lojas virtuais. Se puder resumir o que chamamos de “Lei do e-Commerce”, eu colocaria os seguintes pontos:
- coloque suas informações fiscais e de contato claramente visíveis em todas as páginas
- prepare bem suas políticas de vendas
- explique claramente o que você está vendendo
- organize-se para cuidar da logística reversa
E você, tem alguma dúvida sobre a Lei do e-Commerce? Tem algum ponto que gostaria de debater ou discutir? Os comentários estão abertos.